sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Schincariol agita o mercado de bebidas no Brasil e deflagra uma briga familiar de consequências imprevisíveis


Quando o imigrante italiano Primo Schincariol resolveu fabricar bebidas no quintal da própria casa, em 1939, certamente não imaginava estar inscrevendo o sobrenome da família na história empresarial do País. Também não poderia prever que, sete décadas depois, esse mesmo sobrenome teria destaque tanto nas reportagens de negócios quanto nas páginas de assuntos judiciais. Sob o comando da terceira geração familiar, o grupo Schincariol começou a escrever mais um capítulo de sua tumultuada história. Os protagonistas agora são os netos de Primo, os irmãos Adriano e Alexandre, de um lado, e os irmãos José Augusto, Daniela e Gilberto Júnior, do outro. No centro da questão está a venda de 50,45% de participação na Schincariol – um conglomerado que emprega dez mil funcionários, possui 13 fábricas e faturou R$ 5,7 bilhões no ano passado – que Adriano e Alexandre detêm sob a holding batizada com as primeiras letras do nome dos dois, a AleAdri. O problema é que o outro ramo da família, abrigado na holding Jadangil, que controla os 49,55% restantes, recorreu à Justiça e conseguiu suspender o negócio, com um pedido de ação cautelar.

A principal alegação dos minoritários é que, pelo estatuto da companhia, eles têm preferência de compra, caso a outra parte resolva sair do negócio. “Não fomos consultados em momento algum”, disse Gilberto Schincariol Júnior, em entrevista exclusiva à DINHEIRO (leia mais abaixo). Conforme antecipou o site da DINHEIRO, na noite de quinta-feira 4, a juíza Juliana Morais Bicudo, da 1ª Vara Civil de Itu, sede da companhia, acatou o pedido dos minoritários e mandou suspender o negócio. Ela também estabeleceu multa de R$ 100 mil para cada ato que desrespeite essa determinação, exigiu a apresentação dos livros contábeis e fiscais e determinou que a Junta Comercial de São Paulo não faça qualquer registro relativo ao negócio. A juíza só não aceitou o pedido de busca e apreensão dos documentos da Schincariol.

Alexandre e Adriano vão recorrer da decisão para tentar manter o negócio que surpreendeu o mercado: pelos valores envolvidos, pela identidade do comprador e pela rapidez com que a transação foi fechada. Há pelo menos dois anos, Adriano Schincariol, presidente do grupo, vem manifestando interesse em vender a empresa. A pessoas próximas, o empresário alegava não acreditar que o modelo de negócios da Schincariol, estritamente familiar e sem fontes externas de financiamento, fosse capaz de enfrentar os titãs do mercado cervejeiro de igual para igual. Por titãs, entenda-se a Anheuser-Busch InBev, a gigante belga que produziu 35,8 bilhões de litros de cerveja e faturou US$ 36,6 bilhões em 2010 e no Brasil é dona da Ambev, líder do mercado nacional com participação de 69% com as marcas Skol, Brahma e Antarctica. 
 
Não faltaram candidatos para ficar com o passe da Schincariol quando Adriano assumiu publicamente que sua parte e de seu irmão Alexandre estava à venda. Desde o início deste ano, executivos dos grupos britânicos SABMiller e Diageo, da dinamarquesa Calsberg e da holandesa Heineken debruçaram-se sobre os números da cervejaria brasileira. Pura perda de tempo. Embora atrasados em relação aos concorrentes, os japoneses do grupo Kirin, que só entraram na disputa dois meses depois de iniciado o processo, reverteram a lentidão inicial e, de forma fulminante, fecharam o negócio por R$ 3,95 bilhões. E foi aí que começaram as surpresas. Em momento nenhum o Kirin, um grupo que produz de cervejas a medicamentos fora apontado como sério candidato à sócio da Schincariol. 
 
Esse papel foi ocupado, durante todo o tempo, pela Heineken, para quem a empresa de Itu representava a rede de distribuição que a holandesa não tem, um portfólio de produtos do qual também carece e uma participação de mercado que está longe de possuir no País. 
A segunda surpresa foram os quase R$ 4 bilhões desembolsados pelos ágeis japoneses, preço considerado bastante elevado quando se leva em conta a capacidade de geração de caixa da empresa. No caso da Schincariol, esse índice ficou em 17 vezes o lucro antes do pagamento de impostos, juros e depreciação (Ebitda). Não é regra, mas é praxe do mercado de fusões e aquisições fixar o preço em nove ou dez vezes o Ebitda. Marco Gonçalves, sócio do banco BTG Pactual, que assessorou Adriano e Alexandre na venda, diz que o que pesou em favor do grupo Kirin foi uma cláusula no contrato na base do “assine e pague”.
“E eles já pagaram”, disse Gonçalves à DINHEIRO na quarta-feira 3, na sede paulista do BTG Pactual. Segundo ele, naquele mesmo dia, o cheque assinado pelo CEO da cervejaria japonesa, Hirotake Kobayashi,  no valor total da operação, estava depositado na conta da AleAdri. A despeito da suspensão do negócio pela Justiça, Gonçalves diz que nada muda para seus clientes Adriano e Alexandre. Primeiro, afirma ele, porque os primos José Augusto, Daniela e Gilberto Júnior não têm capital para exercer a opção de compra. Segundo, porque os representantes da Kirin estavam cientes de que poderia haver esse tipo de desdobramento e, mesmo assim, decidiram ir em frente. Em outras palavras, o que Gonçalves quer dizer é “estamos preparados” para a batalha. 
 
O primeiro capítulo da nova novela das fusões e aquisições no Brasil começou na segunda-feira 1o, mas parece longe do fim. Mais que isso, a briga envolvendo os primos Schincariol é só mais um capítulo na tumultuada vida empresarial e familiar do grupo que já teve assassinato, prisão sob acusação de evasão fiscal, contratações milionárias e demissões de altos executivos. A primeira tragédia aconteceu em 2003, quando Nélson Schincariol, filho mais velho do patriarca Primo e pai de Adriano e Alexandre, foi assassinado na porta de casa , em Itu, ao reagir a uma tentativa de assalto. Até então, ele e o irmão Gilberto, dividiam o controle da companhia com 50% das ações cada um. 
Segundo o que foi detalhado no pedido de ação cautelar, Nelson teria subtraído 0,5% da participação de Gilberto que, na base da confiança, teria assinado essa transferência, sem se dar conta do que estava assinando. As relações entre os dois lados da família azedaram a partir daí. Com a morte precoce do empresário, aos 60 anos de idade, o comando da companhia foi assumido inicialmente por um colegiado de executivos. Alguns meses depois, Adriano foi indicado presidente – com a concordância do tio, Gilberto. Apesar da tragédia familiar, a companhia prosperou. Uma prosperidade que chamaria a atenção da concorrência. Em menos de dois anos, a Schincariol passou de uma pequena indústria regional de cervejas, mais conhecida pelo pouco apreço ao pagamento de tributos, para uma companhia de porte, com uma participação de mercado nada desprezível, na casa dos 9%. 
 
Em 2005, dez diretores do grupo, incluindo Gilberto pai, Gilberto filho e Adriano Schincariol, foram arrastados para a prisão numa operação conjunta entre Polícia Federal e a Receita. Batizada de Operação Cevada, a ação acusava a companhia de Itu de sonegar R$ 1 bilhão, no período de quatro anos, evasão de divisas, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Os Schincariol e mais sete executivos da empresa passaram dez dias presos na Polícia Federal, em São Paulo. Combalida pelos descaminhos dentro e fora de seus portões, a companhia começou a acusar o golpe e sua participação de mercado foi minguando até que Adriano resolveu profissionalizar para valer a empresa. Contratou, a peso de ouro, renomados profissionais de mercado, como Fernando Terni, que havia havia presidido empresas como a Nokia e a Intelig. 
Terni, que recebia uma remuneração anual de R$ 3 milhões, não conseguiu recuperar a empresa e Adriano voltou ao comando. Gilberto Júnior, passou a vice-presidente comercial – cargo que ocupa até hoje. A dupla recolocou a companhia nos trilhos. Investiu pesado em marketing – só no carnaval deste ano pagou cachê de R$ 1 milhão à cantora Sandy para promover a marca Devassa – e registra 11% de participação de mercado. O trabalho em conjunto de Adriano e Gilberto Júnior, porém, não deve ser interpretado como resultado da sintonia fina entre ambos. “Nos damos muito bem das 7h42 às 18 horas”, disse Gilberto Jr. “Fora isso, é uma relação civilizada.” Procurado pela DINHEIRO, Adriano preferiu não dar entrevista. 
 
A convivência entre os primos resume-se ao dia a dia na companhia. Agora, nem isso, embora Adriano tenha sugerido aos novos sócios o nome de Gilberto Júnior para sucedê-lo no comando da Schincariol daqui a um ano. Na semana em que anunciaram a compra do controle da companhia, os japoneses bem que se esforçaram para ter o jovem vice-presidente como parceiro. Mas Gilberto Jr., que tem apenas 27 anos de idade, se recusou a receber os novos sócios. “Nem ele nem os irmãos têm capital suficiente para comprar a companhia”, diz uma fonte. A entrada da Kirin, ao contrário, pode dar o fôlego necessário. Isso se seu samurai de plantão, Adriano Schin-cariol, conseguir vencer a queda de braço com o outro lado do clã nos tribunais.
 

 

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