terça-feira, 6 de dezembro de 2011

A Molson (dono da Bavaria) precisa muito da ajuda de alguém para crescer no mercado de cervejas


Acena relatada a seguir ocorreu há cerca de três meses. Eram 7 horas da manhã. Os funcionários de um dos 24 centros de distribuição direta da AmBev já estavam a todo o vapor. Separados em salas por marcas de cerveja -- Skol, Brahma ou Antarctica --, gerentes, supervisores e vendedores formavam equipes que se preparavam para visitar pontos-de-venda. Numa sala destinada ao portfólio das marcas da Antarctica, durante meia hora uma equipe discutia os resultados alcançados no dia anterior.
Um vendedor é vaiado quando declara o número de dúzias da Bohemia vendidas. Outro, com mais sorte, sobe na cadeira e recebe ovações e palmas por seu desempenho. É hora então de pensar o presente: metas para o dia. Tarefas distribuídas, ouvem-se então gritos de guerra regados ao som de tambores. "A equipe Antarctica vai sair para matar. Vamos para a luta e mostrar quem é melhor." Em nenhum momento, os vendedores da AmBev mencionaram o nome da cerveja Bavaria enquanto se preparavam para ir ao mercado. Deveriam? Sim.

Cenas como a descrita acima -- aparentemente normais -- tiraram noites de sono dos executivos da canadense Molson. Em novembro do ano passado, a empresa comprou a Bavaria -- a ex-cerveja dos Amigos -- da AmBev por 100 milhões de dólares e mais cinco parcelas de 23 milhões, condicionados a aumentos de participação de mercado. Embora a Bavaria não lhe pertença mais, a AmBev continua responsável por sua distribuição até 2005. (Procurados por EXAME, os executivos da AmBev se recusaram a falar sobre o assunto.) Tanto a decisão de venda como a obrigatoriedade de distribuição foram determinadas pelo Cade como condições para que a fusão entre Brahma e Antarctica fosse aprovada.
Com um faturamento de 1,6 bilhão de dólares no ano passado, a Molson enfrenta no Canadá uma disputa ferrenha pela preferência dos consumidores com a Labatt, marca da belga InterBrew, segunda maior cervejaria do mundo. Juntas, as duas dominam mais de 90% do mercado no país. A vinda para o Brasil, há cerca de um ano, é a primeira tentativa de internacionalização da Molson, e deve servir como teste para outras investidas mundiais.

O carioca Ricardo Mayer, presidente da Bavaria, tem a missão de fortalecer uma marca e recuperar a participação de mercado perdida nos últimos três anos. As condições para isso são, no mínimo, atípicas. "Temos de crescer com a distribuição nas mãos do concorrente", diz ele. Acordos de distribuição estão se tornando comuns entre empresas rivais. Em setembro deste ano, os jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S.Paulo criaram uma empresa para distribuir conjuntamente seus produtos e, assim, reduzir custos. "Isso foi possível porque a distribuição deixou de ser uma vantagem competitiva para essas empresas", diz André Castellini, vice-presidente da subsidiária brasileira da consultoria Bain & Company. No mercado brasileiro de bebidas, entretanto, a situação é diferente. "Uma distribuição forte continua a ser uma grande vantagem", afirma Castellini.
É preciso alcançar um número elevado de pontos-de-venda: são mais de 1 milhão deles espalhados pelo país. Ao contrário do que acontece em mercados como o americano, em que a comercialização de bebidas está concentrada em supermercados e lojas especializadas, no Brasil 60% das vendas acontecem em bares, padarias e lanchonetes. Para chegar nesses pontos-de-venda, a AmBev criou e mantém seus 24 centros de distribuição e uma rede de 700 distribuidores independentes.

Dividir essa vantagem com uma nova concorrente não é algo confortável para os executivos da AmBev. Assim como depender da boa vontade de um rival não é o melhor dos mundos para a Molson. Nenhuma das duas, porém, conta com alternativas. "Para a Molson seria inviável entrar nesse mercado de outra forma", diz Roberto Reis, analista do setor de bebidas da Sudameris Corretora, de São Paulo. "Ninguém monta uma rede de distribuição como essa de um dia para o outro", afirma Daniel Pasquali, da corretora Fator-Doria Atherino.

Diante disso, Mayer e os outros executivos da Bavaria precisam trabalhar duro para convencer os funcionários dos centros de distribuição e os 280 distribuidores independentes da Antarctica a se interessar pela venda da marca da Molson. "Temos autonomia para incentivar os independentes a distribuir o produto", diz o carioca Gustavo Ramos, diretor de marketing da Bavaria. Vale tudo: acompanhar de perto os vendedores para verificar como eles se comportam na rua e até dar prêmios por metas alcançadas. Em alguns distribuidores independentes, a Bavaria já é a primeira cerveja mais vendida, ou segunda, logo atrás da Antarctica. "Ela representa 70% das minhas vendas", diz um distribuidor de Minas Gerais. "A AmBev não gosta muito disso, mas, na prática, não há o que fazer."

A relação dos profissionais da Bavaria com os funcionários dos centros de distribuição é bem mais complicada. Até quatro meses atrás, a marca nem sequer era citada nas reuniões matinais. "Estivemos conversando sobre o acordo, e há hoje um compromisso maior da AmBev de fazer o que o Cade determinou", diz Mayer. "Aos poucos o nome da Bavaria está sendo incorporado à rotina dos centros de distribuição." Até recentemente, apenas um funcionário da Bavaria visitava os centros de distribuição esporadicamente. "Agora teremos sete de nossos homens nos quartéis-generais da AmBev."

Enquanto tenta aparar as arestas com a concorrente/parceira, Mayer acerta os últimos detalhes para o lançamento de uma campanha de divulgação da Bavaria, programada para o mês de dezembro. Desde o anúncio da fusão entre a Brahma e a Antarctica, a marca teve pouquíssima exposição. A Bavaria tem hoje 4% de participação -- já esteve com 3,1% -- e é vendida por um preço que chega a ser até 30% mais baixo que o da líder de mercado, a Skol. "A Bavaria sumiu antes que a marca pudesse se consolidar", diz o diretor de uma rede de varejo.
O acordo de venda da cerveja firmado com a AmBev -- que atrelou cada uma das cinco parcelas do pagamento no valor de 23 milhões de dólares a um aumento de participação de 0,5% -- também não tem colaborado para valorizar a marca. "A AmBev está fazendo qualquer negócio para vender a cerveja", diz o responsável pela área de bebidas de uma rede de supermercados. "Com isso ela está sendo depreciada e sendo usada como um chamariz." Ramos afirma que condicionar o pagamento das parcelas a aumentos de participação de mercado da Bavaria, em volume, não foi uma estratégia inteligente. "Um acordo baseado num aumento de participação da marca, em valor, teria sido melhor", diz ele. Neste ano, a Bavaria deve registrar um faturamento de 260 milhões de reais.

Caberá à nova campanha publicitária fortalecer a marca, para que os executivos da Bavaria possam cobrar mais pela cerveja. Nos dez meses de gestão da Molson, a cerveja cresceu pouco menos de 1%. "A Bavaria precisa reconquistar a força que já teve no passado", diz Cheda Saad, distribuidor da AmBev em Campinas. Com a volta da marca à cena, a expectativa é que até 2005 ela conquiste 6,5% de participação -- valor que coincide com o pagamento das cinco parcelas devidas à AmBev. "Dificilmente seremos mais do que uma quarta marca", diz Mayer. A Bavaria ocupa hoje a sexta posição na venda de cervejas no país, atrás de Skol, Brahma, Antarctica, Kaiser e Schincariol. Mayer, 50 anos, um ex-maratonista que durante nove anos foi executivo das Ceras Johnson, tem realizado jornadas diárias de 14 horas de trabalho. "Preciso estar na rua três ou quatro vezes por semana", afirma. "Compramos um cavalo e só agora começamos a colocar as mãos nas rédeas.

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